De Alberto Caieiro, "em Pessoa":

"Pensar incomoda como andar na chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais"

05/11/2013

BATAGUASSU

Essa tem até a "prova material":  medalha de Prata, crônica.



Vai "Ipsis litteris", com erros e tudo mais...



BATAGUASSU


Sábado, 3:00 h da madrugada. Num ônibus:
— Pessoal, vamos dar uma paradinha aqui para esticar as pernas, ir ao banheiro, comer alguma coisa... Falô? Por favor, fechem as janelas porque vão lavar o ônibus. A gente sai em quarenta e cinco minutos.
Toca descer do ônibus... Essa viagem não acaba mais!
Vamos ao banheiro, faz-se o que se precisa, lava-se  as mãos e... Onde enxugá-las? Na porta do banheiro, um senhor: chapéu e cigarro de palha, bem ao estilo sertanejo. É ele quem nos entrega toalhinhas de papel para enxugarmos as mãos. Espera pela "caixinha". Poucos contribuem.
Era, com  certeza,  alguém  de  muita  idade.  Barba  e cabelos completamente brancos. Trabalhando num banheiro fétido de restaurante de beira de estrada, provavelmente por uma miséria, quem sabe até só pela "caixinha"! Num lugar daqueles e numa hora como aquela... Só pude pensar: que triste...
Lá vai  o ônibus. Chega  ao destino, passa a  manhã,  a tarde, e lá vem o ônibus! Corre, cruza o planalto sul-matogrossense debaixo do céu belíssimo naquela linda noite.
1:00 h da madrugada. Dentro do mesmo ônibus, pouco menos de 24 horas depois:
— Pessoal, vamos dar uma paradinha aqui para esticar as pernas, ir ao banheiro, comer alguma coisa... Falô? Por favor, fechem as janelas porque vão lavar o ônibus. A gente sai em quarenta e cinco minutos.
(Já ouvi esse discurso antes!)
Desço do ônibus e... Adivinhe! É o mesmo restaurante!
Entro, vou ao caixa tirar a nota para o meu suco de laranja e vejo lá o alvará de funcionamento expedido pela prefeitura municipal de Bataguassu, MS. Tomando meu suco, lembro daquele senhor da madrugada anterior. Vou ao banheiro não pela lembrança, mas por outros motivos mais óbvios. Entro lá e, a princípio, não o revejo. Mas ao caminhar para o mictório, encontro-o. Lá está ele, rodo na mão, tentando limpar os reservados, um a um.
Pude percebê-lo com mais atenção: fraco, miúdo, encurvadíssimo e impressionantemente magro. Em pé, trabalhando (ou tentando trabalhar) em plena madrugada, num lugar como aquele e com certeza por um nada! Um trabalho até pesado, considerando o estado físico aparente de quem o fazia.
Quanto tempo  não fiquei  pensando naquilo? Por quantas vezes a imagem do velhinho não me voltou nos últimos quinze minutos que passei ali?
Só deixei  aquela imagem de lado após vê-la pela última vez, na forma de um senhor sentado na guia fumando seu cigarrinho de palha, já pela janela do ônibus. Refleti que existiam inúmeras pessoas procurando trabalhar ou ganhar dinheiro de formas muito, mas muito mais tristes e feias que aquela.

Até que me perdi em outras divagações sobre a cidade de Bataguassu e tudo mais que existia e acontecia naquela noite, debaixo daquele céu fantástico, até meio esbranquiçado de tanta estrela!

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