De Alberto Caieiro, "em Pessoa":

"Pensar incomoda como andar na chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais"

03/12/2013

Resenha: Febre de bola (“Fever Pitch”), Nick Hornby

Eu realmente me desencantei com o futebol. Não tenho mais dúvidas. Ainda gosto de assistir, mas hoje me limito muito mais aos jogos do meu time e olha que, se tiver outra coisa pra fazer, não fico “batendo cartão” na frente da TV, não. A vantagem são as cervejinhas geladinhas e uns “biliscos” pra acompanhar (sou capaz de dizer que o futebol virou justificativa pra cerveja).
Por isso, apesar do quase apaixonado incentivo à leitura do livro pelo meu amigo Renê, meu prazer com a obra não foi tão grande quanto o dele, mas há motivos de sobra para isso: alguns, por quem ele é, pela história pessoal do sr. Guedes Pereira; e da minha parte, porque teria sido (este prazer) muito  maior há uns três anos atrás.
Tenho isso como certo.
Mas é difícil não se divertir, e muito, com a história do torcedor do Arsenal – o próprio Hornby, pois trata-se de um relato biográfico – que, em um quarto de década, desde os onze anos de idade até a confecção do livro, assistiu praticamente todos os jogos do time no Highbury, a “casa” dos gunners até a inauguração do “Emirates Stadium” em 2006, entre pais, madrasta, irmãos, namoradas, amigos, viagens, empregos, desilusões e depressões, sempre eles e os fatos pontuados pela, como ele afirma, obsessão pelo time. E a diversão não vem só pelo fato da narrativa abordar o mais popular esporte do mundo, mas porque Honby consegue fazer isso sem o rigor e tecnicismo jornalístico e ao mesmo tempo com tremenda habilidade para descrever lances, gols, falhas e enredos completos - incluindo os dramas - de uma partida de futebol.
Além de tudo, o muito bom livro liga de imediato a atenção de todos aqueles que efetivamente acompanham o futebol porque, muitas vezes, toca em assuntos que revelam problemas do futebol inglês nas décadas de 70, 80 e 90 que, acreditem, foram ou são idênticos a problemas que vivemos no futebol brasileiro. Como exemplos, podemos falar da construção de arenas ou a ampla modernização de estádios que os ingleses procederam a partir da segunda metade da década de 90, e que o Brasil só começou, por uma razão muito específica, nos últimos anos. Assim como nós, eles tinham  - e têm - estádios muito antigos, no caso deles centenários (não, não é força de expressão) e em péssimos estados; ou e dos problemas que os times e as torcidas tiveram quando a TV tomou conta do esporte e marcava, a seu bel prazer, horários estapafúrdios para os jogos; e nem vale apena se estender muito no óbvio, a violência das torcidas, tema que aliás é tratado com muito maior abrangência no ótimo livro do estadunidense Bill Buford, Entre Vândalos (“Among the thugs”), citado no próprio Febre de bola, aliás já lido e futuro tema de resenha, depois de uma releitura - de certa maneira, e creio que inconscientemente, o autor até mesmo cria um clima de suspensa para chegar no lamentável episódio de Hillsborough, deixando-nos aterrorizados ao evidenciar que a situação de Sheffield era comum em todos os estádios ingleses.

Desencantado com o esporte bretão, cansado de suas negociatas, indignado com tanto permeio de falta de caráter, irritado pela mercantilização e, consequentemente, tomado por uma “antipaixão” pelo futebol, eu me diverti demais com a leitura de Hornby  pois, se não é bobamente engraçada, certamente é muito bem humorada  -  não à toa, ele é o mesmo autor de Alta Fidelidade (“High Fidelity”), brilhantemente adaptado para o cinema num filme dirigido por Stephen Frears e estrelado pelo ótimo John Cusack - imagine só como se divertirão aqueles que ainda se rendem aos encantos do futebol! 

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