De Alberto Caieiro, "em Pessoa":

"Pensar incomoda como andar na chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais"

18/06/2010

PERDEMOS SARAMAGO

Foi-se José Saramago. Teve uma vida longa, mas uma produção, em tempo, curta, já que tão tarde começou a escrever - ou publicar.
Quando fui ler Saramago, peguei nas mãos logo o "Ensaio sobre a cegueira". Torci o nariz p´ro tamanho do primeiro parágrafo, mas o assunto logo me prendeu. A obra, simplesmente fantástica, me apaixonou: o apontar o dedo para o tamanho das nossas responsabilidades, o suspirar pelos nossos tamanhos limites, o receio de saber que podemos fazer alguma diferença, o que resta de animalesco em cada um de nós (de cada um, conforme suas possibilidades, a cada um, conforme suas necessidades... Como é difícil!) E Saramago ganhou um fiel leitor.
Não li tudo o que ele escreveu, falta-me, por exemplo, o essencial "Memorial do Convento". Li a trilogia do "Ensaio...", que se completa com o laureado "Todos os nomes" e com "A Caverna". Li o outro ensaio, o "sobre a Lucidez", do qual não gostei tanto, assim como outras das últimas obras, que já me pareciam com um ranço de "cumprir contrato". Mas suas características ainda estavam lá: sua crua observação do mundo, seu ceticismo infeliz (de quem não quer ser cético) e esperançoso (de quem crê que, num dia, num tempo, tudo pode melhorar), sua tentação ao detalhismo, sua despreocupação com o formato - que lhe deu destaque pelo formato.
Se o LUTO não é da língua portuguesa, certamente é da literatura portuguesa e da humanidade, que perdeu um brilhante ser humano. Certamente com suas imperfeições, certamente com inúmeras discordâncias com inúmeros outros humanos - inclusive comigo -, mas da aguda inteligência, especialmente para as obviedades sobre as quais, tantas vezes, parecemos estar tão cegos.
Lamentei profundamente a morte de dois: há mais de 20 anos, Drummond; e agora, Saramago

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