De Alberto Caieiro, "em Pessoa":

"Pensar incomoda como andar na chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais"

17/11/2010

CARTA ABERTA AO PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

(enviada por correio eletrônico ao endereço do gabinete do prefeito na noite de 11/11/2010)
Senhor Gilberto Kassab,
Meu nome é Sérgio, sou professor do ciclo II (5a. A 8a. Série, ou 6o. Ao 9o. Ano) do ensino fundamental da rede pública de ensino do município que o senhor administra.
Tento ter a boa-fé (crença não cabe...) de que os administradores públicos, muitas vezes não tratam adequadamente dos problemas sobre os quais são diretamente responsáveis por desconhecer a dimensão exata de cada um deles. Embora isso possa aliviar a culpa dos administradores públicos pelo desleixo com o qual são tratados tantos dos problemas cotidianos dos cidadãos (agora que o período eleitoral terminou, não adianta querer comover com um “eleitores”, então vai “cidadãos”, mesmo), não os exime de culpa, posto que eles também são responsáveis pelos procedimentos de apuração, pelo acompanhamento e pela plena ciência da região administrativa sob sua responsabilidade executiva.
O maior exercício desta minha boa-fé é o de respirar fundo cada vez que vejo um candidato, especialmente os que estiveram envolvidos com a administração do município ou do estado de São Paulo, fazer loas à educação pública, que é a maior vergonha deste país. Independente da filiação partidária ou da “cor” ideológica, todos eles – inclusive o senhor, na última campanha da qual saiu vencedor, e também a sua principal adversária na ocasião – insistem em meias-verdades ou completas mentiras para dizerem que trataram bem da educação ou que ele vai bem! Lamento, mas é mentira afirmar que a educação pública vem melhorando! Está tudo muito mal! E, neste exercício de boa-fé, repito, aponto que o senhor, como também seus adversários e alguns aliados, talvez repitam tais sandices sobre a educação pública porque não tem o devido conhecimento da situação.
Repito, boa-fé... Às vezes, haja boa-fé...
Senhor prefeito, alguém lhe informou que, em termos práticos, o ano letivo de 2010 encerrou-se ontem, dia 10/11/2010, com o fim do horário de expediente da Secretaria Municipal de Educação? Alguém lhe explicou que as escolas foram obrigadas, sob pena de responderem administrativamente, a digitarem no sistema eletrônico de informações chamado “EOL” (“Escola On-Line”) o nome dos alunos cada qual na sala de aula em que estará matriculado, de modo definitivo, NO ANO LETIVO DE 2011? No dia 10/11... Ontem...
Pois é...
Se até ontem às 5 ou 6 da tarde as escolas deveriam digitar todas as listas, e receberam esta absurda e insensata determinação no final do último mês (outubro), é de se imaginar que, quanto maior a escola (mais alunos, mais turmas), mais cedo apurou-se - com toda pressa, sujeita a erros, imperfeições e tolerância acima do admisssível - o resultado final do ano letivo em curso. Um ano letivo que, no calendário imposto pela Secretaria Municipal de Educação, encerrar-se-á formalmente às vésperas do Natal!
Não bastasse todas as mentiras que somos tantas vezes forçados a contar ou praticar, por conta do bojo legal que regula o ensino público desde a esfera federal até a esfera municipal – que faz a opção pela progressão continuada, tese acadêmica (não consegue deixar de ser tese...) mentirosa numa rede que não tem recursos materiais, humanos e de infra-estrutura física para prover a “continuidade” no ciclo, mentirosa quando pensada para discentes sob responsabilidade de pais ou tutores que não são capacitados, pelo tipo de formação que tiveram (ou pela formação que não tiveram) colaborar com o processo -, estamos também agora antecipando e assim dinamizando o “empurrômetro” de alunos que ocorre anualmente em todas as escolas do município (não abro sequer uma exceção!), pois em particular neste ano muitos deles acabarão promovidos no decorrer dos ciclos mesmo tendo tido frequencia às aulas baixo do legalmente exigido e, no final dos ciclos, com aproveitamento insatisfatório, num flagrante desrespeito ao que reza o parágrafo 2o. Do Artigo 18 e também ao disposto no Artigo 19 da Portaria SME 4688/2006 – o Regime Escolar do Município – portaria esta válida para o ano de 2010 (ao menos na Diretoria Regional de Santo Amaro, da qual a escola onde sou docente faz parte, conforme reunião realizada para orientação das equipes gestoras em 29 de janeiro deste ano em documento disponível na rede mundial de computadores).
Senhor prefeito, podemos considerar correta tal medida absurda? Podemos aceitá-la sem contestá-la? Ela não configura um tremendo desrespeito tanto para com os alunos e seus responsáveis como para com os professores, especialmente aqueles que procuram realizar seu trabalho no rigor das responsabilidades e do respeito para com a natureza da função? Não é simplesmente uma falta de respeito para com os propósitos da educação pública?
Por falar nos propósitos da educação, senhor prefeito, também tenho vivido muitas dúvidas e incertezas. Sempre imaginei – até porque, frequentemente, empurram para os profissionais das escolas a responsabilidade exclusiva de “formar cidadãos” - que a escola, ainda mais a escola pública, seria o espaço privilegiado para promover o senso de justiça e equidade. O que vemos é o contrário, começando justamente pelos propósitos que concretamente absorvemos da educação pública, calcados no espírito economicista e estatístico, onde mais vale um apelo acadêmico insustentável elaborado e corroborado por tantos que provavelmente nunca, sequer como alunos, puseram os pés dentro de uma escola pública, do que o risco de ter que disponibilizar mais escolas, mais salas de aula e mais profissionais. Tal processo se arrasta há anos, por ele passaram diferentes administrações municipais, de diferentes partidos. Ninguém, nenhum prefeito - ou prefeita! - dessa cidade, seja lá qual for o partido político no qual milita, teve ou tem a “audácia” de apurar a verdade lá no chão da sala de aula, conosco, os professores, desamparados seja para o cumprimento do que as leis determinam ou nos graves e profundos equívocos destas mesmas leis, diuturnamente agredidos e sem direito à defesa; muito pelo contrário, no caso de sua administração, senhor prefeito, a educação pública está nas mãos de um profissional que - embora eu não tenha a mínima condição de fazer algum juízo sobre sua competência na área em que ele é especialista – tinha experiência nula na educação pública ao assumir a pasta, e que pauta sua gestão frente à Secretaria que comanda na reprodução ou emulação de práticas e propostas originais da Secretaria Estadual da Educação de São Paulo, com uma rede educacional que, nas áreas metropolitanas, tem tantos ou mais problemas quanto a nossa. Este “imitar” da SEE pela SME, por sinal, parece ter sido o que pautou esta antecipação insensata e irresponsável dos resultados do ano.
Por quê, senhor prefeito? Qual é a explicação pedagógica da SME que a faz fechar os resultados de 2010 no dia 10 de novembro?
Que farão os alunos ou seus responsáveis que tenham conhecimento do fato? O que devemos esperar deles? Que eles, pelo compromisso com os estudos, com o conhecimento e com o saber eles continuem comparecendo às aulas? E se não vierem? Muda tudo ou a gente mente, mente, mente e maquia resultados?
Desculpe, senhor prefeito. Eu não... O que eu apurar, documentado estará. Esperarei o mesmo dos meus colegas.

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