De Alberto Caieiro, "em Pessoa":

"Pensar incomoda como andar na chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais"

04/05/2011

COMO É ENGRAÇADINHO, O FASCISTINHA!!!

Coisa de duas semanas atrás, encerrei a leitura do "Guia politicamente incorreto da História do Brasil", livro que vem causando relativo furor e encabeça a lista dos mais vendidos de não-ficção nos últimos tempos. Já cabe aqui a primeira correção: o livro integra a lista errada, pois se não podemos tratá-lo como mera ficção, é muito vago enquadrá-lo em "não-ficção". Figuraria melhor, na minha opinião, na categoria "Auto-ajuda, religião e esoterismo", pois será certamente uma obra de cabeceira e conforto (auto-ajuda!!!!!) para aquela enorme gama de imbecis futilmente "bem-informados" (os "compradores de opinião"), muitos que consideram a imprensa brasileira de "esquerda", aqueles que chamo (eu e minha incansável prática de neologismos) de "neopseudofascistas". Aliás, não caracterizo assim o autor, este aí é simplesmente neofascista, ou fascista "fashion" (tentei juntar as duas coisas, mais "fashioncista" ou "fascishion" não representa direito a idéia).
Leandro Narloch... Veja só quem é ele:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/livrariadafolha/ult10082u694637.shtml
Até carinha de fascistinha ele tem, né não? É um dos herdeiros-"carpideiras" de Paulo Francis (esse ainda tinha informação, cultura, inteligência, apesar de tudo), como Augusto Nunes, Olavinho (ah, não, esse é mais antigo), Gustavinho Ioschpe, Diogo Mainardi...
Pois é.
A introdução dele já avisa: "Alguém poderá dizer que se trata do mesmo esforço dos historiadores militantes, só que na direção oposta. É verdade. Quer dizer, mais ou menos. Este livro não quer ser um falso estudo acadêmico, (...) e sim uma provocação (...) com o objetivo de enfurecer um bom número de cidadãos."
Envio-lhe meus parabéns, porque comigo ele atingiu o objetivo.
Duas coisas, que se completam, são o que mais me irritam no livro. Primeiro aspecto, ele poderia apresentar interessantes contrapontos em alguns dos temas, pelo menos naqueles onde o furor ideológico que Narloch dissimuladamente nega não estão tão presentes, se (segundo aspecto) ele não quisesse fazer um humorzinho ridículo e sem sabor num tipo de discussão que não dá espaço para este tipo específico de brincadeirinhas. Por exemplo, depois de desancar os nativos do Brasil (os índios que os portugueses encontraram ao chegar), sobre o fumo/tabagismo, ele diz: "Culpa dos Índios? Claro que não. (...) não têm nenhuma responsabilidade sobre um hábito que copiamos deles. Na verdade, temos é que agradecer a eles por terem nos iniciado nesse costume maravilhoso que é fumar tabaco e outras ervas deliciosas. Da mesma forma, quem hoje se considera índio poderia deixar de culpar os outros por seus problemas." Sinceramente, nem consigo saber se é ironia ou o que o sujeito pensa, mesmo. Porque, na verdade, ele atrai para sua armadilha de bom-humor e gracinhas os infelizes que se acham integrados, ligados, conectados, mas que não têm a menor autonomia intelectual, são apenas capazes de consumir informação, pseudocultura e opinião alheia, que depois arrotam como se fosse sua.
- Narloch inicia suas infâmias afirmando que a quantidade de indígenas mortos ao longo do tempo foi menos culpa da vinda dos europeus do que deles mesmos.
- Que os bandeirantes foram verdadeiros heróis, desbravadores corajosos.
- Insinua que os negros não têm que reclamar da escravidão no Brasil porque parte deles participava do tráfico negreiro e também tinham escravos.
- Nega o inegável avanço comparativo (comparativo, veja bem!!!) do Paraguai em relação aos seus vizinhos.
- Trata a monarquia brasileira como ícone da liberdade no século XIX (primeiro ele acusa Machado de Assis de ser um cruel sensor de D. Pedro II, antes de escrever que "A famosa liberdade política do Império atingiu o auge durante o reinado de D. Pedro II").
- Considera Santos Dumont um mero canalha sem caráter; afirma que Prestes era cruel, ranzinza, teimoso, imaturo e burro, incompetente.
- Sem pecha, constata que ninguém no Brasil apoiava nem a independência, nem o fim da escravidão nem a república.
- Trata estados brasileiros, como Acre, Alagoas, Amapá, Tocantins, Rondônia e Roraima como apêndices incômodos para o Brasil (aliás, na verdade, ele não queria o Brasil como país, porque nega ao seu povo qualquer identidade, é incapaz de perceber que, independente de como algumas coisas tenham nascido ou sido trazidas para o Brasil, passaram a ser identificadas com o país. Pensamento muito encaixotado, sistemático, limitado).
- Tem a audácia de chamar a ditadura no Brasil de boazinha, porque não matou milhares como na Argentina e no Chile.
Tudo isso (tem mais, muuuuuito mais...) permeado pela "incompetência" e "ignorância" de professores e historiadores militantes, "esquerdistas", que pervertem as idéias e impedem o conhecimento da real história do Brasil. (Entendam bem: no Meinkampfismo neofascista, qualquer um que diga qualquer coisa discordando das idéias de um dos seus próceres é "esquerdismo", e militante só tem no que ele chama de esquerda: ele não é um militante - alguém precisa lhe apresentar Gramsci!!!!!!)
Mas, interessante... Todas as suas constatações e "provocações", como ele mesmo diz, baseiam-se em uma, duas, no máximo três autores. Toda a historiografia brasileira vale menos do que aquilo que os autores que ele escolheu acreditar escreveram.
Leandrinho, meu querido... Como é que os índios iriam viver bêbados sem as novas beberagens trazidas pelos europeus? E, se eles matavam-se uns aos outros, como você disse, fizeram isso de maneira infinitamente mais intensa atuando do lado deste ou daquele europeu. Ou seja, a mortandade indígena foi um pouco de culpa e MUITO da responsabilidade européia!

Qualquer professor de história minimamente sério sabe que a escravidão entre os vários povos africanos era prática comum, similar a da antiguidade oriental e européia, e que também ocorreu a escravização de brancos europeus por negros africanos no mesmo período, mas ninguém pode negar o aprisionamento de negros transformados em escravos pelos europeus que os tratavam como mera mercadoria (e é risível, ridículo, atribuir à meia-dúzia de instituições e três ou quatro parlamentares ingleses, contrários humanamente à escravidão, o posicionamento político daquele reino: foi, sim, uma questão eminentemente econômica, mas aparentemente muito além da sua compreensão ou incômoda demais para as meias-verdades que você defende).

O Império brasileiro, desde a outorga da Constituição de 1824, permitia uma potencial participação política muito maior (e mesmo assim a uma mínima proporção da população) do que na maioria dos países do mundo à época, é verdade; mas a tal "liberdade" política era de fato para um setor muito particular da sociedade brasileira - sem falar que as repúblicas vizinhas não ficaram paradas no tempo.

Professores, a maioria deles, sabem também que a Guerra do Paraguai foi iniciativa do Paraguai, e que os López não eram "santinhos", mas ocorreu, sim, um uso excessivo, abusivo e desnecessário de força do Brasil contra o vizinho. E entre os investimentos de poucos britânicos (não ingleses) no Paraguai e o potencial gigantesco lucro com os empréstimos mais vendas de armamentos para alimentar o conflito, o governo inglês acabou, sim, optando pela segunda política.

Dizer que os brasileiros não apoiaram a Independência nem a Abolição nem a República no Brasil é dizer que o povo, como sempre, foi manobrado e alheado do processo, algo que você seria incapaz de dizer porque, provavelmente, tem nojo do significado da expressão "povo". Deve estar esperando um "pogromzinho" nas periferias brasileiras, né não? (http://sergyovitro.blogspot.com/2010/11/sim-eu-tenho-preconceito-leandro.html) - ainda bem que tem uns comentários lúcidos ao final!!!

Machado de Assis, Graciliano Ramos, Santos Dumont, Prestes, todos eles eram figuras humanas, Leandrinho... Sujeitos a erros, tentações, desvios... Agora, demonizá-los e negar-lhes, com coerência e ponderação, a parte que lhes coube na história do país é ainda muito mais ridículo do que tratá-los (também erroneamente) como heróis geniais e incontestes. E, assim como é simplista a consideração dos bandeirantes paulistas como bandidos, vilões, cruéis, passar disso à santificação dos mesmos é de uma parcialidade tosca. Se eram miseráveis, se as condições eram desesperadoras, eles somente toparam tão absurda e gigantesca aventura pela expectativa de encontrar o caldeirão de ouro no final do arco-íris!!! Aliás, ao ler sua posição a respeito do Acre e o comparativo feito com outros estados brasileiros, você deveria considerá-los uns desgraçados, mesmo, pela parte que cabe aos vicentinos por terem empurrado tão à oeste a fronteira brasileira.

E, meu aspirante a Mussolinizinho do século XXI, não é porque OFICIALMENTE a ditadura brasileira matou menos que ela não foi cruel... Aliás, tive um ataque de riso com a sua afirmação de que a revolta de Isidoro Dias Lopes em 24 matou mais gente que toda a ditadura militar no Brasil... Devem ter achado o dobro de crânios só no pedaço que cavaram lá em Perus, comparado aos 300 e tantos oficiais... E é engraçado, a ideologia defendida por Prestes matar 1 é crime e crueldade (é, mesmo, não estou negando), mas a ditadura matar 300 e tantos é "brando" (a "Ditabranda" dos Frias).

Ridículo.

Enfim, não me incomoda o fato de tantos "jornalistas" estarem escrevendo sobre história. Pena que eles não tenham uma efetiva postura de jornalistas ao escreverem! Aliás, um cara que se criou dentro do espectro ideológico da "Forza Brasile" (conhecida como revista Veja) e aprendeu a escrever lá não deveria ser considerado jornalista (por sinal, classe curiosa que pode opinar desde a culinária doméstica até a política de energia nuclear, passando pela história de um país, mas defende que para integrá-la deve-se ter um diploma).

O mais preocupante e triste de tudo é ver um livro destes ser tão vendido, lido e (salve-nos quem puder...) até elogiado por brasileiros que se convenceram com as gracinhas, "vejismos" e "diogomainardismos" infames do sr. Narloch... Vê-lo entrevistado e repercutido no programa do Jô Soares (não, não, perdão, isso não me assusta, não, era previsível). Será que não explica o fato de uma excrescência ideológica como Jair Bolsonaro conseguir eleger-se e reeleger-se parlamentar?
Onde é que vamos parar??

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro colega,
Extremamente precisa, sensata e bem escrita suas considerações sobre esse escritorzinho, pseudojornalista, podemos dizer? O que me deixa um pouco magoado é que seu texto não tenha a devida repercussão. Me lembro de ter lido um texto do Pondé na Folha elogiando por demais o Narloch. O seu deveria ter uma repercussão semelhante para mostrar que há gente lúcida ainda nesse país. Mas como diz a canção: "mesmo com toda a lama a gente vai levando".