De Alberto Caieiro, "em Pessoa":

"Pensar incomoda como andar na chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais"

04/12/2011

ADEUS AO MAIOR FUTEBOLISTA DE TODOS OS TEMPOS

Eu não falo simplesmente do brilho dentro de campo (e que ele tinha, gigantesco), não falo da capacidade de decidir (quantas vezes ele não foi decisivo?), do número de gols (uns 350 na carreira), de títulos ou de prêmios; é mais abrangente que isso. É sobre o ser humano que ele foi.

Mesmo sendo Pelé incontestavelmente o maior jogador de futebol de todos os tempos, e que ainda tantos outros possam ter jogado um melhor futebol, Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira é o maior futebolista de todos os tempos. Porque, juntando o excepcional jogador que ele foi, o craque que só não brilhou mais porque sabia e defendia com unhas e dentes que a vida era muito mais que tal esporte, o craque que não se preocupava em ser um atleta na estreiteza do aspecto físico, é preciso ainda ponderar o excepcional homem que ele foi. Sabia e queria viver, na plenitude da condição de Homo sapiens sapiens. Cometeu seus abusos e erros, infelizmente, mas até isso serve para mostrar o ser humano completo e por isso complexo que ele foi. Com tudo isso junto, não tenho dúvida, podemos colocá-lo, num conceito mais abrangente, como o maior futebolista de todos os tempos.

Quando jovem, chegou a declarar que, entre futebol e medicina, ficaria com a medicina. Aquele que desenvolveu um jeito de jogar, uma marca registrada com seu calcanhar, para ganhar a massa, a torcida, para alegrar, divertir e fazer do futebol aquilo que acreditava o esporte ser: espetáculo. Um homem que, sem pecha, com transparência e clarividência, defendeu um papel mais positivo do futebol para os jovens,  pregando aos clubes não apenas a preocupação em formar atletas, mas também a de pensar em formar homens, cidadãos. Criticava aberta e duramente as grandes estrelas de futebol chamando-as de "crianças" que não sabem o que querem ou sequer o que é melhor para as próprias vidas, reféns de empresários, procuradores, assessores de imprensa, de imagem, disso e daquilo. Afinal, um cidadão, um homem, uma pessoa consciente, teria plenas condições de administrar a própria carreira, tocar a vida.
Sócrates, o Doutor, o gênio não simplesmente com a bola nos pés, mas gênio na vida, e que, maduro, adulto, transformado em completo, ia além de afirmar que ganhar não era a coisa mais importante no futebol: ganhar para ele simplesmente não era importante!

E como tudo começa? Começa num país refém de um sistema político que matou, torturou e "sumiu" com milhares, um regime que condenou o país à ignorância que ainda persiste, amarrando-nos à intolerância e ao extremo (por conta do extremo tamanho do autoritarismo, o fim do período militar nos fez mergulhar no extremo da pura libertinagem a nos consumir). Aí veio ele, com outros companheiros, dentro de um clube de futebol com milhões de adeptos, ensinando que as pessoas têm que ter autonomia, consciência, liberdade, participação, discussão, entender o compartilhamento de decisões, ganhar maturidade. Liderou, organizou e foi o maior expoente da Democracia Corintiana, o mais fantástico movimento no futebol mundial, indo muito além das quatro linhas do gramado. E mesmo assim, ele jogou demais! Um dos 100 maiores de todos os tempos. Não à toa, capitão de um dos maiores esquadrões formados no Brasil, a Seleção Brasileira da Copa do Mundo da Espanha, em 1982.

Foi a maior figura, dentro e fora de campo, de um dos maiores clubes do mundo.

Foi embora deste mesmo clube e do país  porque as eleições aqui continuariam indiretas, sem a participação do povo.

Sócrates se foi. Que dia triste, que dia sem graça, que dia cinza!

Sou absolutamente contrário aos "minutos de silêncio" que haverão hoje pelos estádios do Brasil afora. Afinal, sem Sócrates, o futebol infelizmente se tornou absoluta e definitivamente silencioso. Refém da mesmice, do que há de mais estúpido no senso comum e nas concepções fáceis da esmagadora maioria que há muito já se esqueceu qual é a essência da existência da prática esportiva.

O time no qual ele brilhou entra em campo, logo mais, com enorme chance de ser campeão brasileiro:  ainda que superando o rival, ainda que dando espetáculo, mesmo que seja uma goleada...

Haverá o que comemorar?

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