De Alberto Caieiro, "em Pessoa":

"Pensar incomoda como andar na chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais"

21/11/2013

RESENHA: "ON THE ROAD" (Jack Kerouac), leitura inédita.

Primeiro, falhei comprando o livro traduzido achando que era no inglês. Embora sempre tenha pensado que seria um desafio difícil lê-lo no original, ao longo do tempo tive oportunidade de ler em português, mas nunca quis. Há tempos decidi que leria em inglês, enfrentaria dicionário e pesquisa de expressões idiomáticas. Só faltava arrumar uma edição.
Mês passado, numa livraria, já com outros livros na mão, peguei "On the Road". Fui incapaz de perceber que embaixo, com letras menores poréms não mínimas, estava escrito "Na estrada".
Bom, o jeito foi lê-lo em português, mesmo.
Então, sim, demorei quase 40 anos (ou uns 25, desde quando despertou o interesse...) para ler esse livro, tido quase como sagrado, uma espécie de "Bíblia", o relato do acalentado sonho de uma geração e que moldou gerações seguintes.
É o que dizem.
Pois bem...
"On the road" é uma mentira.  Sal Paradise, o narrador, é um tolo infantil, incapaz de assumir qualquer responsabilidade perante a vida - só perderia para o seu grande amigo e parceiro de viagens, Dean Moriarty. Aquela história da "geração beat", que fica com o polegar estendido pedindo carona na estrada, é falsa -Você não entende o que foram os "beats", talvez somente mesmo a inspiração - o que talvez dê pra notar é que o comportamento "hippie", bem posterior, tem um temperinho que vem do livro. - Passa por incontáveis lugares e, exceção feita sempre aos mesmos ("Frisco", Denver, Nova York), é incapaz de colocar personagens descrevendo os diferentes pontos do gigantesco e continental país.  A narrativa, que destaca em tantos momentos o prazer de Dean em curtir as pessoas, "sacá-las", é contraditória em virtude de ele não ter respeito nem qualquer apego a qualquer pessoa. Pareceu-me uma espécie de misântropo, não que meramente se afasta, mas faz questão de usar quem encontrar pelo caminho. E, além de tudo, revela-se várias vezes uma obra tremendamente machista. Não especificamente na forma como as mulheres são retratadas, mas justamente na forma pela qual os dois amigos vêem e falam delas.
Que coisa... Será que li o livro com a idade errada? Não seria o único caso.


Mas, olha, deixa eu falar: é um grande livro! Ao mesmo tempo em que tem de tudo isso aí em cima, fala de música, de prazer, do usufruir da vida, da possibilidade de observar o mundo. Destaca a fantástica possibilidade de viver, conhecer, aprender, curtir, tendo muito pouco de seu, materialmente falando, e menos ainda no bolso. E, no fundo, termina mesmo é falando de uma grande amizade. ´Tá lá, em letras miúdas, nas entrelinhas, especialmente no final. Mas está lá...
E, ainda, tem a viagem pelo México. Trecho curto, mas que vale demais.


Eu recomendo.
Quem tem como e descolando em inglês, vai em frente, pega essa estrada; quem não consegue ou não dá jeito, pegue a tradução do Eduardo Bueno (a que li), que não sei se é brilhante, mas é muito palatável. 

Um comentário:

Unknown disse...

Sérgio,

sempre fiquei em dúvida em ler (ou não)esse livro...engraçado ter me deparado com a sua resenha...Fiquei instigado a ler...Mas eu sempre achei essa geração - retratada no livro - difícil de digerir. Sempre achei esse ócio, esse discurso sem parada, meio que um desperdício, um sinal claro de uma sociedade (a americana) que, ao acelerar o consumo e a individualização dos indivíduos, tem como subproduto o niilismo e o desespero crescentes...vou engolir o meu conservadorismo e me entregar à leitura...