Sempre me considerei um apaixonado pelo futebol. Durante tanto tempo - a maior parte do tempo da minha vida - o vi como uma atividade deliciosa para quem a pratica, acompanha, comenta, torce, trabalha, irradia, analisa, etc.
Mas ultimamente tenho uma conclusão um tanto mais psicológica para o gosto que eu (e creio que muitas outras pessoas) tenho pelo esporte, que tem a ver com o que ele tem lúdico, do tanto que "brinquei" de futebol quando criança, dos times de futebol de botão que ainda guardo, de por causa dele (eu, muito pouco) ter vivido aventuras, conhecido gente diferente, enfim, de tanto ter me divertido nos anos em que, puro e inocente, via na televisão, nas fotos, nas revistas, tantos "marmanjos" também brincando e se divertindo com o esporte bretão.
O problema é que, conforme o tempo passa, na verdade felizmente, grosseiramente infelizmente, vai-se tomando tento do que há por trás das cortinas: falta de caráter generalizada, negociatas obscuras, malcheirosa promiscuidade com o poder público, montanhas de dinheiro, mentiras, etc., etc., etc.
Nestas duas últimas semanas, dois fatos do futebol chamaram extremamente minha atenção: a tentativa (efetiva, mesmo, será??) do Corinthians, o time pelo qual ainda insisto torcer, de contratar o argentino Carlos Alberto Martínez, vulgo Carlos Tevez, de 27 anos, pela módica quantia de 60 milhões de dólares. Ou seja, o clube brasileiro iria pagar 3 vezes mais para contratar o mesmo jogador que contratara no final de 2004 / início de 2005, então com quase 21 anos. Mais que isso: contrataria novamente o jogador pelo qual pagou mais de 20 milhões de dólares, fora salários e premiações por ano e meio, e que perdeu sem ver um centavo sequer. O time queria recontratar o jogador que saiu do clube como se fosse um proscrito, que "fugiu" na calada da noite sem dar satisfação, que abandonou o clube e, pior, seus companheiros de equipe, sem dar maiores satisfações e sem qualquer tipo de prevenção.
O outro fato envolve também a torcida, desta vez do Palmeiras, que ontem aplaudiu, ovacionou e berrou a plenos pulmões o nome do atacante Kleber quando sua escalação para a partida contra o Flamengo foi confirmada. Neste caso, é mais flagrante a postura de caráter duvidoso do atacante, que ficou quase três semanas envolvido numa suposta transferência justamente para o Flamengo. O atacante chamou o vice-presidente do clube, em entrevista pública, de mentiroso e mau-caráter, e não se pode esquecer que, há poucos meses, queixou-se de que não tinha apoio do treinador. Este é o mesmo Kléber que comemorava gols do Palmeiras e visitava as "torcidas" organizadas do clube enquanto era atleta do Cruzeiro, numa clara "forçação de barra", até que finalmente conseguiu sua transferência.
O angustiante, nos dois casos, é o apoio da sociedade, ou pelo menos pela maioria da parcela da sociedade atraída pelo futebol, aos atletas. Ficam evidenciados os valores que vêm sendo cultivados no mundo contemporânea, quais posturas pessoais são tidas como elogiáveis e corretas, sempre partindo de um ponto de vista abissalmente individualista; então, a partir do futebol e pela gigantesca, incomensurável e incomparável repercussão do esporte, podemos observar qual é o grau de adoecimento da nossa sociedade. E, do futebol, podemos extrair ainda um sem número de outros (maus) exemplos: a inocente e incoerente suposição de que os jogadores podem ter um comportamento dentro de campo e outro distinto na vida cotidiana (como se o caráter pudesse se dividir em dois), como se desperdiçam milhões e milhões no absurdo de organizar partidas de futebol ("espetáculos") a um custo irreal, não compatível com as demandas sociais (gerais, não específicas, não estou falando de "fome" ou "miséria" simplesmente, mas de forma muito mais abrangente), das negociatas escusas e não-explicadas (porque não têm explicação e porque delas não se cobram explicações), do enriquecimento mais que suspeito de todos aqueles que se envolvem com o esporte, além de tantas suspeitas que não consegue-se afastar, de manipulação de resultados, de fraudes, de lavagem de dinheiro, de jornalistas e comentaristas divulgando e comentando conforme o seu "rabo-preso" com este ou aquele empresário ou com este ou aquele jogador...
Que é isso? O que se tornou tal esporte? Aliás, teria deixado o futebol de ser esporte? Virou pura e simplesmente "negócio"? É para isso tudo que se pregou e ainda se prega a tal "profissionalização"? Com tal objetivo deixou-se de "amar" a atividade, afastou-se o "amadorismo"? Não será este o palco onde, repito, exibe-se o grau de adoecimento e de apodrecimento de nossa sociedade? O que esperar? O que sentir quando se vê tantos meninos e, hoje, não poucas meninas, com o sonho de se tornarem "jogadores de futebol"? Como alguém em são consciência de tudo o que acontece neste "esporte" pode incentivar uma criança a entrar nessa? Por que o país (ou UM país, seja ele qual for) aceita organizar um evento como a Copa do Mundo submetendo-se a prática de privilégios grosseiros, escancarados e inaceitáveis a uma entidade e a "meia-dúzia" de empresas e empresários?
Não dá... A cada dia, fica mais difícil continuar "aceitando" o futebol ao mesmo tempo que se pensa o mundo. Tenho sérias desconfianças que minha parcela "criança" não resistirá a tamanha sujeira.
Queria eu ver apenas mais uns dois ou três pessoas que repercutissem como o Dr. Sócrates Brasileiro ponderando o futebol.
Pena que ele é um só...
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