De Alberto Caieiro, "em Pessoa":

"Pensar incomoda como andar na chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais"

03/10/2013

A PASSEATA

Outubro de 1991 (mês é palpite, ano é certeza), medalha de ouro no Concurso Literário interno ETELG - Crônica (só dezessete anos, perdão pela imaturidade revelada nas opiniões, na expressão e na técnica ou falta dela). Mas é que o "gigante que tinha acordado" me recordou esse texto...


Vejo  um  careca. Vejo um  maneta. Vejo  um perneta. Eu vejo muletas.
Olhe a cadeira de rodas e o louco!
Por  que  choras? É  só  um filme,  é só  um  livro. Já pensaste na realidade? Não, perdão... Não quero te machucar, nem te ofender. Mas já encaraste o que aconteceu? E tanto silêncio, e tanta omissão, em tanta vergonha, em tanto desprezo?
Tu não  te  lembras de  nada?  É  o que  penso,  porque esqueceste de um passado com histórias lúgubres, horrorosas, insuportáveis. Só faze-me crer que o mundo não mudará.
Ah, é triste sofrer  por um  passado, por não se ter um presente e perder as esperanças com o futuro. Mas não, não é por isso que me ponho a refletir.
1o de abril de 1964. O dia em que os trouxões enganaram os trouxinhas, e os trouxinhas deixaram os trouxões pintarem e bordarem. Dias dos trouxas!
Desculpe se te mostro uma verdade  tão nua,  tão  crua, tão dura, tão triste. Mas não deu p'ra calar. O que aconteceu, aconteceu. O futuro? Ele ainda está por vir. Mas o passado...
O  passado não pode  ser apagado  sem que se meçam suas consequências sobre nosso futuro.
Parece que  esse tal de Brasil  sofreu  um  enfarte.  O diagnóstico foi tardio. Não houve remédio que desse jeito. Os "doutores" tinham uma máscara de competência sobre sua incompetência. Só um repouso de pouco menos de 25 anos (ou pouco mais!) funcionou. E o enfartado esqueceu-se de tudo, pois tudo dissipou-se estranhamente, repentinamente, surdinamente. E muitos nem se deram conta de tudo o que aconteceu. Porque diante de tanta omissão (e a indiferença) do momento, houve uma repetição da omissão (e da indiferença).
Procuraram  alienar  toda uma  geração  e  as  gerações posteriores. Conseguiram?...
Quem sou eu para apagar a omissão? Quero apenas alertá-los - e alertar-me - sobre os acontecimentos de um país tropical, onde os livros de História não contam a história porque o poder não deixa, fazendo com que basbaques imortais de "Fundação", "Elevado", "Rodovia", "Avenida", "Rua" e sabe-se lá mais o quê tornem-se falsos ídolos, nos quais muitos acreditam. "O pais dos pobres"! E os generais? Esses usurpadores da verdade, da vergonha, usurpadores de vidas humanas. Canalhas que destruíram esse país com delíquios e delírios de grandeza.
Histórias tristes, tenebrosas. Histórias de tortura, histórias de morte, de desaparecimentos. E não foi apenas uma vez. Só espero não ter de conhecer pessoalmente e presentemente essas histórias.
Às vezes nos  pedem amor à  pátria. Que pátria?  Pátria sem mãe, pátria sem pai, pátria sem dono.
Sei  que  já  choraste pela  morte  do  soldadinho,  lá naquela guerra distante, que essa nossa tal "Pátria-mãe" aqui apenas assistiu. Mas talvez não choraste pelos "irmãos de pátria" que morreram, que desapareceram, que estão inválidos ou loucos, numa guerra da razão contra o ensandecimento, ocorrida no ventre dessa tal "pátria-mãe".
Sim, sei que outros (e talvez tu) calaram e não lutaram porque a voz faltara. Outros fugiram, porque a voz não fora suficiente. Outros reconheceram-se impotentes, ao mirar os grilhões nas próprias mãos. E uma mancha obscura em alguns livros de história (que não são de História) contam para todos, enevoando a razão dos sãos.
Por que será que a História cala, se molda, se curva? Por que temos que buscar a verdade como se busca uma agulha num monte de palha?
Por que tudo isso, irmão? Por que não te levantas, irmão? Lute comigo, lute consigo, lute conosco. Escrever, pichar naquele muro, uma pichação digna, pela verdade. E contra a "verdade" que tu ouves e aceita, por preguiça de lutar pela verdade. E essa luta, talvez, seja apenas um unir de forças, um unir de mãos, um unir de vozes. Lutar pela verdade e pela dignidade de um país sem honra.
E tudo por causa de uma tal passeata...

Um comentário:

Unknown disse...

Triste realidade, é horrível o modo que essa gente manipula o povo, já ouvi muitas vezes pessoas me dizendo que devo ter amor a pátria, mas como ter amor a essa tal "pátria"? Que pátria?